Ácido acetilsalicílico como potencial causa de toxicose em gatos




A conversa é longa, mas vale a pena! 
Bom, a maioria dos casos de intoxicação em animais de companhia resulta do instinto ou curiosidade deles em explorar aquilo que encontram pelo caminho associado à negligência dos que permitem acesso aos mesmos.  Outras vezes, infelizmente, ainda decorre da ação mal intencionada ou pelo desconhecimento técnico dos proprietários, medicando seus animais.
Os quadros de intoxicação medicamentosa também são atribuídos ao uso inadequado dos medicamentos em animais pelo desrespeito das individualidades de cada espécie, repassando aos animais doses usadas na medicina humana ou entre espécies animais diferentes, por exemplo. Esses fatos estão relacionados à desinformação.
Não obstante, ainda ocorrem as intoxicações por medicamentos de uso veterinário relacionadas aos casos de incorreta prescrição, orientada pelos atendentes dos estabelecimentos comerciais e lojas de produtos agropecuários sem nenhuma competência técnica para o fim.  
O ácido acetilsalicílico, popularmente conhecido como AAS® e aspirina® é amplamente utilizado na medicina humana. Por ser uma medicação de fácil aquisição ao não necessitar receita obrigatória para a compra, é muitas vezes utilizada por proprietários em seus animais sem prévia orientação veterinária, o que pode causar ÓBITO.
A substância foi descoberta no ano de 1829 através da extração de salicina da planta salgueiro, porém seu uso terapêutico começou em 1899, somente quando sua propriedade anti-inflamatória foi comprovada. Desde então, apesar de NENHUM estudo científico comprovando a utilização do AAS especialmente EM ANIMAIS, ele vem sendo usado na terapêutica de algumas enfermidades. No entanto, se tratando de felinos, a deficiência em uma etapa específica da metabolização e a suscetibilidade a oxidação da hemácia (mais especificamente da hemoglobina promovendo a formação da metemoglobina), tornam a espécie mais propensa aos efeitos adversos ou até mesmo a quadros de intoxicação, podendo culminar em óbito. 
O AAS é um anti-inflamatório não esteroidal com ação trombolítica, analgésica, antitérmica e anti-inflamatória, com fraca ação antiespasmódica. Essa classe está entre os fármacos que mais provocam quadros de intoxicação, não somente em felinos, mas também em cães. 

Se tratando de gatos, a maioria dos casos de intoxicações e reações adversas decorre do desconhecimento das diferenças de metabolização. Em meio a uma lista de medicamentos tóxicos ao fígado para a espécie, encontra-se citado o AAS, apesar do mesmo ter indicações terapêuticas no tratamento de distúrbios do trato urinário, glomerulonefrites, distúrbios neuromusculares, articulares, dor crônica e em alguns casos de febre de origem não determinada.

As doses e dosagens variam bastante, conforme ação desejada. 
(Infelizmente, acredito não ser conveniente abordar as doses, identificando as terapêuticas e as letais. Por dois motivos, primeiro por ser uma droga que não deve ser usada sem orientação médica e segundo, por ainda existirem pessoas que usam as informações para prejudicar os animais, fugindo completamente do objetivo deste blog.)

Sucintamente, a autora do livro “Manual de Terapêutica Veterinária”, do ano de 2008, descreve que os gatos metabolizam o AAS de maneira prolongada em virtude de seu sistema microssomal hepático não metabolizar rapidamente esse fármaco que necessita primeiramente da conjugação com o ácido glicurônico para detoxicação e excreção, processo denominado de glicorunidação hepática. Em especial, o gato apresenta deficiência relativa nessa conjugação em virtude da deficiência de enzimas, principalmente da enzima glicuroniltransferase. Qualquer droga que necessita ser metabolizada por essa via apresentará meia-vida longa na espécie. Essa é a principal diferença na disposição dos fármacos nos gatos, por isso doses elevadas de medicamentos específicos podem ocasionar intoxicações ou reações exacerbadas.
Outra importante característica individual dos felinos é a suscetibilidade do eritrócito, particularmente a hemoglobina (Hb), em sofrer oxidação, resultando em metemoglobina, a qual é incapaz de transportar oxigênio. 
Além da metemoglobinemia, a desnaturação oxidativa da Hb também pode ocorrer, resultando na formação de Corpúsculos de Heinz. É importante ressaltar que a metemoglobinemia é um processo reversível, enquanto que a formação desses corpúsculos não, podendo ocasionar hemólise intravascular e/ou anemia hemolítica.
Os sinais clínicos de intoxicação são anorexia, depressão, hiperpneia, salivação profusa e vômitos. Em casos mais graves, hipertermia, severa gastroenterite hemorrágica, icterícia associada à hepatite tóxica, anemia, ataxia, nistagmo, convulsões e em poucos dias óbito.
A complexidade dos fatores envolvidos em um quadro de intoxicação é um desafio contínuo para o estabelecimento do diagnóstico e tratamento, este nem sempre possível. O diálogo entre proprietário e médico veterinário é de suma importância, no entanto em muitos casos o proprietário desconhece o que pode ter ocorrido, já que na realidade brasileira, muitos animais ainda têm acesso à rua sem acompanhamento.
É importante ressaltar que a emergência toxicológica se restringe ao controle e tratamento de manutenção das funções vitais. Somente após o restabelecimento das funções vitais é que se busca, além do antídoto a possibilidade de evitar futuras absorções, eliminando o tóxico quando o mesmo ainda estiver presente.
Algumas medidas específicas frente a casos de intoxicação por ingestão precisam ser tomadas, porém variam conforme o tempo decorrido. Por isso, não modifique condutas, pois pode piorar muito o quadro clínico, impossibilitando ou inutilizando a conduta terapêutica adequada.

É importante ressaltar que a regra básica da toxicologia é sempre tratar o INDIVÍDUO.
Qualquer tratamento torna-se inútil se as funções vitais não forem preservadas.

Gostou do texto e quer saber mais detalhes da fisiopatologia? é só me mandar um e-mail que repasso mais informações ou sugestões de leitura!


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